Capoeira Regional

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O jogo Regional, se caracteriza por ser jogado sob os toques da Capoeira Regional: "São Bento Grande da Regional", "Idalina", "Banguela", "Amazonas", "Iúna", segundo os princípios desenvolvidos pelo seu criador, Manoel dos Reis Machado, Mestre Bimba (1900-1974), quando Bimba começou a sentir que a "Capoeira Angola", que ele praticava e ensinou por um bom tempo, tinha se modificado, degenerou-se e passou a servir de "prato do dia" para "pseudo-capoeiristas", que a utilizavam unicamente para exibições em praças e, por possuir um número reduzido de golpes, deixava muito a desejar, em termos de luta. Aproveitou-se então do "Batuque" e da "Angola" e criou o que ele chamou de "Capoeira Regional", uma luta baiana. Possuidor de grande inteligência, exímio praticante da "Capoeira Angola" e muito íntimo dos golpes do "Batuque"  (O Batuque, é uma luta braba, violenta, onde o objetivo era jogar o adversário no chão usando apenas as pernas), intimidade esta adquirida com seu pai, um mestre nesse esporte, foi fácil para Bimba, com seu gênio criativo, "descobrir a Regional".

Não basta ser rápido qualquer toque para que se transforme em Regional o jogo. Tem Regra. Tem jogo específico para os toques específicos, tem fundamentos próprios. Jogo Regional pode ser de fora, como também pode ser de dentro. Pode ser alto ou baixo. Pode ser jogado na manha do toque da Banguela, que o Mestre criou para acalmar os ânimos. Mas tem que ser marcado, sincronizado no toque do berimbau único que segura a roda e dá o ritmo do jogo. Não tem que disparar apressado que não possa mais cantar. Pode ser manhoso também. Regional tem força, garra, ritmo e muita ciência também. As características principais da Capoeira Regional são:

 1) Exame de Admissão:

Consistia de três exercícios básicos, cocorinha, queda de rins e deslocamento (ponte), com a finalidade de verificar a flexibilidade, força e equilíbrio do iniciante. Em seguida a aula de coordenação onde o aluno aprendia a gingar auxiliado pelo Mestre Bimba. Para ensinar a ginga, Mesestre Bimba convidava o aluno para o centro da sala e frente a frente pegava-o pelas mãos e ensinava primeiramente os movimentos das pernas e a colocação exata dos pés, e em seguida realizava o movimento completo em coordenação com os braços. Este momento era importantíssimo para o iniciante pois lhe transmitia coragem e segurança. Acordeon Ex-aluno do Mestre poeticamente diz "...ELE ERA FORTE NA ALMA TINHA UMA FACA NO OLHAR QUE CORTAVA A GENTE DE CIMA A BAIXO QUANDO ESTAVA A ENSINAR...".

 
 

  2) Seqüência de Ensino de Mestre Bimba:

O Mestre criou o primeiro método de ensino da capoeira, que consta de uma seqüência lógica de movimentos de ataque, defesa e contra-ataque, podendo ser ministrada para os iniciantes na forma simplificada, o que permite que os alunos aprendam jogando com uma forte motivação e segurança. Jair Moura, Ex-aluno explica "esta seqüência é uma série de exercícios físicos completos e organizados em um número de lições práticas e eficientes, a fim de que o principiante em Capoeira, dentro de um menor espaço de tempo possível, se convença do valor da luta, como um sistema de ataque e defesa". A seqüência original completa de ensino é formada com 17 golpes, onde cada aluno executa 154 movimentos e a dupla 308, o que desenvolve sobremaneira o condicionamento físico e a habilidade motora específica dos praticantes. Os golpes integrantes da Seqüência são:

 
  3) Cintura Desprezada:

É uma seqüência de golpes ligados e balões, também conhecidos como Movimentos de Projeção da Capoeira, onde o capoeirista projeta o companheiro, que deverá cair em pé ou agachado jamais sentado. Tem o objetivo de desenvolver a auto-confiança, o senso de cooperação, responsabilidade, agilidade e destreza. Os golpe que fazem parte desta seqüência são:

    * Aú
    * Balão de lado
    * Tesoura de costas
    * Balão cinturado
    * Apanhada
    * Gravata alta

 4) Batizado:

É um momento de grande significado para o aluno, depois de ter aprendido toda a seqüência, encontra-se apto para jogar pela primeira vez na roda. Itapoan, Ex-aluno retrata o Batizado da seguinte maneira: "O Batizado consistia em colocar em cada calouro um 'Nome de Guerra': o tipo físico, o bairro onde morava, a profissão, o modo de se vestir, atitudes, um dom artístico qualquer, serviam de subsídios para o apelido". Fred Abreu referindo-se ao batizado, cita que na intimidade da Academia de Mestre Bimba ele assim se dizia "Você hoje vai entrar no aço". Desta maneira o Mestre avisava ao calouro que chegou a hora do seu batizado, era um momento de grande emoção, pois tratava-se de jogar capoeira pela primeira vez na roda amimada pelo berimbau. Para este jogo era escolhido um formado ou um aluno mais velho da Academia que estivesse na aula, que como padrinho incentivava ao afilhado a jogar ( soltar o jogo ), e após o jogo o Mestre no centro da roda levantava a mão do aluno e então era dado um apelido "Nome de Guerra" com o qual passaria a ser conhecido na capoeira.
 
 5) Esquenta Banho:

Segundo Itapoan o "Esquenta Banho" originou-se da necessidade dos alunos de se manterem aquecidos "esquentados"... Logo após o termino da aula todos os praticantes corriam para o banheiro afim de tomarem uma chuverada, no entanto o banheiro da academia era pequeno com um só chuveiro com água fina, o que proporcionava um congestionamento e a inevitável fila. Para não esfriar o corpo, os alunos mais velhos, normalmente os formados tomavam a iniciativa e começava o "Esquenta Banho". Este era um momento fértil da aula, pois se tratava do espaço do aluno, também chamado de "Bumba Meu Boi" ou "Arranca Rabo" devido aos freqüentes desafios para o acerto de contas, como exemplo, descontar um golpe tomado durante a roda. Muitos formados aproveitavam para testar suas capacidades desafiando dois, três, ou mais adversários. Também era muito comum o utilizar esse momento para o treinamento de golpes difíceis e sofisticados como: vingativa, rasteira, banda de costa e etc.
 
 6) Formatura:

A formatura era um dia todo especial para o Mestre e seu alunos, um ritual com direito a paraninfo, orador, e madrinha, lenço de seda azul e medalha. A festa era realizada no Sítio Caruano no Nordeste de Amaralina na presença dos convidados e de toda a academia. Os formando vestidos todo de branco, usando basqueteira, atendiam o chamado do Mestre Bimba que solicitava a demonstração de golpes, seqüência, cintura desprezada, jogo de esquete (jogo combinado), em seguida a prova de fogo, o jogo com os formados, também chamado de "Tira Medalha", um verdadeiro desafio, onde os alunos formados antigos tentavam tirar a medalha dos formandos com o pé, e assim manchar a dignidade e roupa impecavelmente branca. Itapoan descreve com muita propriedade, "O objetivo do formado antigo era tirar com um golpe aplicado com o pé, a Medalha do peito do formando, caso isso acontecesse, o aluno deixava de formar, o que era um vexame!". Por isso o aluno jogava com todos os seus recursos, enfrentando um capoeirista malicioso e técnico até o momento que o Mestre apitasse para encerrar o jogo. Aí, o formando conferia se a medalha continuava presa ao peito, que alivio estava formado! Dando continuidade ao ritual de formatura acontecia as apresentações de maculelê, Samba de Roda, Samba Duro e Candomblé.
 
 7) Iúna:

A Iúna é uma marca registrada da Capoeira Regional de Mestre Bimba, é um toque de berimbau criado pelo Mestre, que era tocado no final das aulas ou em eventos especiais, um toque onde só os alunos formados tinham acesso a roda, com a obrigatoriedade de realizar um "jogo de floreio", bonito, criativo, curtido, malicioso e que deveria ter movimentos de projeção. Este jogo suscitava muita admiração e emoção.
 
 8) Curso de Especialização:

Este era um curso secreto onde só poderia participar os alunos formados por Mestre Bimba. Tinha como objetivo o aprimoramento da capoeira, com uma ênfase para os ensinamentos de defesa e contra-ataque de golpes advindos de um adversário portando armas como: navalha, faca, canivete, porrete, facão e até armas de fogo. Sua duração era de três meses divididos em dois módulos, o primeiro com a duração de sessenta dias e era desenvolvido dentro da academia através de uma estratégia de ensino muito peculiar do Mestre. O segundo com duração de 30 dias e era realizada na Chapada do Rio Vermelho, tinha como conteúdo as "emboscadas", a qual Itapoan assim se refere "Uma verdadeira guerra, verdadeiro treinamento de guerrilha. Bimba colocava quatro a cinco alunos para pegar um de emboscada. O aluno que tivesse sozinho, tinha que lutar até quando pudesse e depois correr, saber correr, correr para o lugar certo". Ao final do curso o Mestre Bimba fazia uma festa aos moldes da formatura e entregava aos concluintes um "Lenço Vermelho" que correspondia a uma titulação de Graduação dos Formandos Especializados.
 
 9) Músicas:

Podemos dividir em duas partes - a primeira referente aos toques de Berimbau, São Bento Grande, Santa Maria, Banguela, Amazonas, Cavalaria, Indalina e Iúna. A rigor cada toque tem um significado e representa um estilo de jogo. São Bento Grande é um toque que tem ritmo agressivo, indica um jogo alto com golpes aprimorados e bem objetivos, um "jogo duro". A Banguela é um toque que chama para um jogo compassado, curtido, malicioso e floreado. Cavalaria é o toque de aviso, chama a atenção dos capoeiristas que chegou estranhos na roda, outrora avisava da aproximação de policiais. Iúna é um toque especial para os alunos formados por Mestre Bimba, incita um jogo amistoso, curtido, malicioso e com a obrigatoriedade do esquete. Santa Maria, Amazonas e Idalina são toques de apresentação. A segunda referência é sobre as musicas - quadras e corrido. As quadras são pequenas ladainhas com versos composto de 4 a 6 linhas. O corrido são cantigas com frases curtas que é repetido pelo coro.
Curiosidades
 

 

 
CURIOSIDADES
 
Mestre Bimba só aceitava na sua academia alunos que tivessem a carteira de trabalho assinada, fossem estudantes ou tivessem alguma ocupação reconhecida.

Antigamente havia um "Berimbau de boca" ou "tronpa de Paris" no qual a caixa de resonância, em vez da cabaça, era a boca.

Os capoeiristas costumavam usar calças boca de sino e no período em que a capoeira ficou proibida por lei (1890-1930) a polícia, para detectar os capoeiristas, colocava um limão dentro das calças do indivíduo. Se o limão passasse pela pernas e saísse pela boca das calças, a pessoa era considerada capoeirista.

"Vadiar" significa jogar por prazer, por diversão. Na época da escravidão a vadiação era o lazer dos escravos nas horas de descanso.

Os capoeristas eram contratados pelos políticos para bagunçar no dia das eleições. Enquanto as pessoas desviavam a atenção para a confusão dos capoeiras um indivíduo colocava um maço de chapas na urna ou na linguagem da época "emprenhava a urna". Vencia as eleições o candato que dispunha de maior nº de capoeiras.

Canjiquina foi o criador da Festa de Arromba, jogada nes festas do Largo da Bahia. Nessas comemorações vários capoeiristas se reuniam e jogavam em troca de dinheiro e bebida.

"Crocodilagem" é o nome dado a um jogo duro que submete o capoeira a uma situação de inferioridade ou deslealdade.

Em 1824, os escravos que fossem pegos praticando capoeira recebiam trezentas chibatadas e era enviadas para a Ilha das Cobras para realizar trabalhos forçados durante três meses.

Milhares de capoeiristas foram para a Guerra do Paraguai, pois havia sido prometida a liberdade no final do conflito àqueles que participassem da batalha.

"Caxinguelê" é o nome dado a meninos que praticam capoeira.

Antigamente, era de costume os capoeristas trajarem terno de linho branco. Era considerado um bom jogador aquele que conseguisse sair da roda com o terno impecavelmente limpo.

A orquestra do samba de roda é composta por pandeiro, violão, chocalho e prato de cozinha arranhado por uma faca.

A luta de Mestre Bimba que demorou mais tempo durou um minuto e dois segundos.
 
Manuel dos Reis Machado nasceu no dia 23 de novembro de 1900, no bairro Engenho Velho, Freguesia de Brotas, Salvador, Bahia.

O apelido ele ganhou logo ao nascer de uma aposta feita entre sua mãe, Maria Martinha do Bonfim e a parteira que o aparou.

Seu pai, Luís Cândido Machado, era conhecido como um grande batuqueiro, campeão de batuque.
Iniciou-se na capoeira aos 12 anos de idade, seu mestre foi o africano Bentinho, capitão da Companhia de Navegação Baiana.

Aos 18 anos começa a dar aulas no bairro onde nasceu. Como ele mesmo dizia:
“Em 1918 não havia escola de capoeira, havia sim rodas de capoeira, nas esquinas, nos armazéns e no meio do mato”.

Em 1928 achando que a capoeira que ele praticava e ensinava era pouco competitiva, e que deixava a desejar em termos de luta, juntou golpes de batuque à capoeira de angola e criou a capoeira regional.

“ Fiz a capoeira regional. Enquanto estudava e praticava a de angola fui inventando e aperfeiçoando novos golpes ”.
“ Em 1928 eu criei, completa, a regional que é o batuque misturado com a angola, com mais golpes, uma verdadeira luta, boa para o corpo e para a mente .”

A capoeira regional criada por Mestre Bimba foi motivo de muita polêmica entre os outros capoeiristas que não concordavam com sua radical mudança. Por outro lado, os jornais e revistas da época não cansavam de noticiar suas proezas. A fama de Bimba e da capoeira regional se propaga pelo Brasil.

Em 1932, fundou sua primeira academia especializada com o nome de “Centro de Cultura Física e Regional”.  Cinco anos depois, em 1937, era reconhecida e registrada oficialmente  pelo governo. Em 1939, Bimba ensina capoeira regional no quartel do CPOR.  Instalou sua segunda academia em 1942.

Bimba leva a capoeira em exibições por todo o país e em 23 de julho de 1953 apresenta-se para o então presidente Getúlio Vargas, no palácio da Aclamação em Salvador. Ao apertar-lhe a mão o Presidente disse: “ A capoeira é o único esporte verdadeiramente nacional .”

Foi depois desta apresentação que Getúlio Vargas liberou as manifestações populares até então perseguidas e, com isso, beneficiou a capoeira que deixou de ser proibida pela polícia.

Casado e pai de 10 filhos, Bimba enfrentava problemas financeiros. Assim, acreditando em promessas de maior reconhecimento e de uma vida melhor, Mestre Bimba deixa Salvador e parte para Goiânia.

Porém sua vida em Goiânia não foi como lhe haviam prometido. Um ano depois de deixar a Bahia, no dia 05 de fevereiro de  1974, morre Mestre Bimba.

“O homem que elevou a capoeira de status, que a tirou de baixo do pé do boi, como gostava de dizer, e a introduziu nos meios universitários e sociais de Salvador, que foi citado em enciclopédias e filmado por turistas do mundo todo.”

Sepultado em Goiânia, seus restos mortais foram transladados para Salvador em 20 de julho de 1978.

“Bimba se foi mas deixou sua majestosa, inigualável obra, a qual, como ele, tornaram-se imortais, deixando sua filosofia e sua força de fazer uma capoeira forte e insuperável, uma capoeira autêntica, digna de ser chamada Capoeira Regional, a arte marcial brasileira.”

Algumas criações de Mestre Bimba:
Criou a capoeira regional, na época consistia de 52 golpes.
Criou um método de ensino, a chamada seqüência de Bimba que consiste em 8 seqüências de ataque e defesa para serem executados na roda.
Criou a seqüência de cintura desprezada, que é uma série de balões cinturados, que os alunos só podiam jogar depois de formados, ao toque de iuna.
Criou o batizado de capoeira, um ritual onde o aluno é iniciado na capoeira recebendo um apelido e sua primeira graduação.
Criou a graduação na capoeira, que consistia em 4 lenços de esguião de seda:
1º lenço cor azul – aluno formado
2º lenço cor vermelho – aluno formado e especializado
3º lenço cor amarelo – curso de armas
4º lenço cor branco – mestre de capoeira